quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Alexandre O'Neill (1924-1986)

PERU

Do peru, está tudo dito. Elefante do aviário, o peru não aguenta mais ápodos.
Podemos, no entanto, garantir que o peru rupe, que não é mau com puré e que, embore prue, morre muito com urpe.
O melhor peru é o do vale do Epru. Mas não paga a pena mandá-lo vir de lá. Chegaria a vossas casas sem aquele «repu» que o caracteriza. Podeis, perum, supermercá-lo: vitaminado, vacinado, pesado, congelado, embalado, carimbado, comprovado. Aproveitai, no presente Natal, este superperu, que, para o ano, vendê-lo-ão já mastigado, em bisnagas cheias de préu.

Alexandre O'Neill, Poesias Completas, Assírio & Alvim, 2000, p. 419

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Jaime (1974) de António Reis (1927-1991)

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

1.ª (AGRICULTURA)

Eu vi a agricultura: semeavam.
Mulheres cavam desfazem
os mesmos cômoros, abaixam-se sobre a leira,
poisam a semente,
caminham e cantariam
alto se algum silêncio vasto
se formasse ou o criassem
os gestos - a semear.

As vinhas são o campo duro
aonde andam. Dobram o flanco - é a poeira, são
os nimbos espessos, as nebulosas.

Mulheres que habitam o tempo:
jubilam com a luz
de primavera ou verão (só a suavidade)
dormem debaixo
de águas sendo agrestes, das noites todas.

Param, com o tempo, na entrada,
em casas áridas. Assim lançaram
ao pó seu grão,
amam a terra,
assim a morte as prende.

Fiama Hasse Pais Brandão, O Texto de João Zorro, Editorial Inova, 1974, p. 95