Luís Filipe Bettencourt, in O Germe
(texto publicado no jornal da Gê-Questa- Associação da defesa do ambiente, primavera de 2011)
Quando
reflectimos sobre o pensamento ecológico - quer seja nas políticas ou
nas acções ambientalistas - encontramos contradições de diversa ordem.
Gostamos de alguns animais e comemos outros, essa é a contradição mais
óbvia. Mas há outras: somos todos ambientalistas/ecologistas mas não
fazemos nada, ou fazemos muito pouco, para alterar a criação intensiva
de animais (no mundo civilizado são 450 biliões de animais todos os
anos, alimentados com rações geneticamente modificadas e com
antibióticos à mistura, com mobilidade restrita e criados em ambientes
doentios). Somos contra os transgénicos mas alimentamos os nossos
animais com rações transgénicas (da próxima vez que comprar rações
feitas nos Açores verifique o rótulo). Gostamos de gatos, mas quando são
mortos nas estradas nada fazemos - nas estradas açorianas não há um
único sinal de informação sobre o perigo de atropelamento de animais,
domésticos ou não, que atravessam as estradas. Como ecologistas,
defendemos os touros, mas comemos as vacas. Temos campanhas públicas
anuais de protecção do cagarro, mas permitimos pacificamente a morte de
ouriços-cacheiros nas estradas. Alguém sabe qual desses animais é o mais
desprotegido e ameaçado? O ouriço não parece estar em extinção, mas
está muito mais presente na nossa vida, enquanto animal morto, do que o
cagarro. Olhemos um pouco para o caso do ouriço-cacheiro[1].
Apesar de, na Grã-Bretanha, estar entre os animais de jardim
preferidos, a sua população está a cair abruptamente. Decresceu para
metade nos últimos 15 anos e, a continuar assim, em 2030 não haverá
ouriços-cacheiros ingleses. Apenas 1 em cada 100 chega aos cinco anos, e
15000 são esmagados todos os anos nas estradas britânicas. Mesmo os
bem-intencionados podem contribuir para a morte dos ouriços se, quando
encontram um no seu pátio, lhes dá pão e leite o que lhes pode provocar
uma diarreia mortal. A melhor forma de ajudar um ouriço é soltá-lo na
horta: um só ouriço consegue comer até 250 lesmas numa noite! O seu nome
– cacheiro – sugere aquele que dissimula ou engana, mas que animal terá
capacidade para enganar um automóvel? Não deveria este animal ser -
pelo menos com tanto empenho quanto o cagarro - também defendido através
de campanhas públicas?
Um exemplo
mais geral. É a ciência quem deve dizer aos políticos o estado do
ambiente. A nível mundial essa é uma tarefa do PIAC - painel
intergovernamental para as alterações climáticas que, em 2007,
conjuntamente com Al Gore, ganhou o Nobel da paz. Mas o que se viu no
caso climategate - onde dados que falsificavam as conclusões e
previsões catastrofistas do painel foram ignorados e afastados - foi a
política a dizer à ciência como é que o ambiente deve estar. Isto não
significa que o planeta esteja, ao contrário do que afirmam os
cientistas (os mais e os menos éticos), bem. O planeta está mal e
existem factos inegáveis. O número de espécies em vias de extinção ou já
desaparecidas é assustador. Os tigres, por exemplo, estão em vias de
extinção. E é custoso imaginar um mundo sem tigres. O problema é que
alguns cientistas também estão mal e descredibilizam a ciência ao ponto
de lançarem a dúvida sobre se a ecologia não será também uma farsa. Como
mostrou o caso climategate, a ecologia tem sido aproveitada
politicamente, o que significa uma prevalência da fantasia/aparência
sobre a real motivação para mudar o mundo. Um das razões para explicar
isso pode ser porque “há cada vez mais e mais cientistas a quererem ser
políticos”[2].
Um terceiro e
último caso, talvez o mais flagrante, é o da alimentação. Existem
muitas razões para uma pessoa mudar os seus hábitos alimentares (éticas,
religiosas, estéticas). Vejamos uma razão que tem sido pouco explorada
que é a ecológica ou ambiental. Todos sabemos dos problemas ambientais
do nosso planeta. Mas qual o contributo da alimentação carnívora para
esses problemas? Que sentido é que faz ser ecológico e não ser
vegetariano? Quando se questiona as pessoas sobre qual a causa do
aquecimento global, todos referem a poluição, mas poucos falam na
produção de carne[3].
Mas a verdade é que 18 % da poluição total é causada pelos efeitos da
criação intensiva de animais (metano e tudo o resto: impacto na água e
na biodiversidade; proliferação de vírus...) De todos os cereais
produzidos, 40 a 50% são comidos por animais, 75 % no caso da soja. São
precisos 7 quilos de grão (milho e soja) para fazer um quilo de carne. E
para isso são precisos campos e para ter campos é preciso desflorestar.
É por isso que a floresta da Amazónia está a desaparecer. Num ano uma
vaca produz tantos gases com efeito de estufa quanto um carro que viaje
70.000 km – mais de uma volta e meia ao planeta terra. Para produzir
carne são precisas 10 vezes mais terra do que para produzir vegetais. À
medida que as populações aumentam, aumenta também o consumo de carne.
Por consequência, aumentam também as emissões de gases com efeito de
estufa. Um europeu come, em média, durante a sua vida, 1800 animais.
Calcule-se o efeito, se todas as pessoas no mundo fizessem o mesmo. As
florestas estão a desaparecer; a biodiversidade, a água, tudo isto é
posto em causa pela produção animal. Um vegetariano num jipe produz
menos emissões de carbono do que um carnívoro num carro híbrido (mais um
sinal do politicamente correcto, mas ecologicamente ineficaz). Se tudo
isso é verdade, porque não se fala mais da relação entre o aquecimento
global do planeta e a produção intensiva de animais? Por que não é a
criação intensiva de animais mencionada uma única vez no filme “uma
verdade inconveniente” de Al Gore? Talvez porque ele é também um
produtor de carne e estaria, de forma silenciosa, a proteger a poderosa
indústria de produção de carne norte-americana. Outro interessante
envolvimento entre política e ecologia.
Mas não precisam os seres humanos de comer carne e de beber leite? A resposta inequívoca é não[4].
A ideia de que precisamos de comer carne e leite todos os dias é
gerada, em grande parte, pela propaganda. Reduzir o consumo de produtos
animais não nos fará grande mal, pelo contrário, poderá até reduzir
algumas doenças mortais. Quando é que vamos começar a fazer as contas
aqui nos Açores, onde a produção de carne (aves, porcos e vacas) em
ambientes fechados começa a ser
significativa? E por que não há alimentação vegetariana nas
eco-escolas? A resposta está em parte na desinformação. Comemos o que
nos dão, sem nos preocuparmos muito com os efeitos desastrosos da
alimentação. O pensamento ecológico dominante parece mais uma questão de
ser politicamente correcto, de marcar a diferença seguindo a moda
ecologista, do que a afirmação de uma real preocupação com o planeta em
geral e com os animais em particular. Se queremos manifestar alguma
coerência entre as nossas crenças ecológicas e as nossas atitudes então
deveremos comer menos carne. Individualmente deveremos fazer um esforço
para, pelo menos em algumas refeições semanais, encontrar uma
alternativa vegetariana. Em termos colectivos, as instituições públicas
têm uma grande responsabilidade e uma forma de se mostrarem empenhadas
em apresentar soluções seria, por exemplo, instituir um dia por semana
de comida vegetariana nas escolas, nos lares de idosos, nos hospitais,
etc. Por último, uma boa dose de pensamento céptico e crítico talvez nos
possa impedir de embarcar em euforias ecológicas não fundamentadas.
[1] As informações sobre o ouriço foram retiradas de Lloyd e Mitchinson, O Livro da Ignorância sobre o Mundo Animal, Casa das Letras, 2010, pp.145-146.
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