quarta-feira, 27 de março de 2013

Alfonse Van Besten (1865-1926)


Wislawa Szymborska

Despedida da paisagem

Não quero mal à Primavera
por ela aí estar de novo.
Não a culpo por,
como em cada ano,
cumprir as suas obrigações.

Compreendo que a minha tristeza
não detém a vegetação.
O cálamo se vacila
é só o vento.

Não me causa dor
que sobre a água os tufos de amieiros
de novo tenham com que ramalhar.

Tomo em consideração
que, como se vivesses ainda,
a margem de certo lago
permaneça linda como foi.

Nada tenho contra
esta vista, à vista
da baía esplendorosa de sol.

Consigo até imaginar
que outros que não nós
se sentem neste momento
no tronco do pinheiro derrubado.

Respeito o seu direito
ao murmúrio, ao riso,
a um silêncio feliz.

(...)

Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia, Relógio D'Água, 1998, p. 305

quinta-feira, 21 de março de 2013

Alberto Pimenta

DESGOSTO do nome Ministério do Ambiente. Desgosto da existência dum Ministério do Ambiente neste ambiente. É obsceno. Desgosto de que o Ministério do Ambiente ajude a população a ambientar-se. Tudo no Ministério do Ambiente é obsceno e execrável; por que não, então, um Ministério do Perigo, e um Ministério da Felicidade, e um da Abundância, e outro da Satisfação Íntima, e mais um para as Dificuldades da Vida, outro para a Confiança na Disciplina e na Luz, um das Paixões, um da Independência Nacional, um da Moralidade Pública, outro da Recompensa Merecida, e do Contentamento Nacional, e da Estabilidade de Vida, e dos Sentimentos Recíprocos, e da Querela, e da Vigilância, e dos Esforços Perdidos, e da Bondade Natural e, finalmente, da Harmonia das Esferas? Moralidade da história? Como dizia o Semicúpio de António José da Silva: «Neste mundo somos todos homens de ganhar, o modo é que desautoriza».

Alberto Pimenta, O Terno Feminino, & etc, 1994, pp. 89,90

O verde na terra


domingo, 17 de março de 2013

Elis Regina «Águas de Março»

Chet Baker «Blue in green»

«Having fun»


«Todas as flores entregam suas pétalas àquele chão»

Josefa de Óbidos

À noite, sobre a ilha a toada dos grilos, esses minúsculos corvos de outro mundo animal que nenhum nome deviam ter, acompanhava o meu enterramento noutras imagens em que gostaria de ter a inocência de ser partilhado com cega fé: mulheres e homens atapetando ruas com pétalas de flores. Formam geometrias por caixilhos de madeira, usam-nos como arma de ilusão. Todas as flores entregam suas pétalas àquele chão. Todas as mãos nelas se perfumam. Depois pisá-las-ão as crianças que rezam e os homens com pesados andores de santos berrantes. Por que nos perdemos na dúvida do conhecimento? Por que nos vence mais depressa uma ecografia?

Joaquim Manuel Magalhães, Do Corvo a Santa Maria, Relógio D'Água, 1993, p. 154

quarta-feira, 13 de março de 2013

«Longos dias têm cem anos»

Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)
Se eu tivesse elementos para decidir uma biografia, procedia por encontros imaginários. No cimo do Etna, onde Empédocles perdeu a sandália, era o primeiro. Lá, onde os ventos se cruzam com a respiração das profundidades, eu encontrava a Vieira da Silva, com o seu xaile branco, o olhar penetrante, e dizia-me: «Ah, a Agustina...» E passavam cem anos antes de acrescentar mais palavras. (...)
Também há um sítio bom para encontrar Vieira da Silva: debaixo da magnólia rosa, quando ela floresce, no meu jardim. As pétalas caem e parecem mãos cortadas, como a daquela princesa que prometeu dar a mão a um califa que não amava e lha mandou de presente, como uma magnólia morta.

Agustina Bessa-Luís, Longos Dias Têm Cem Anos - Presença de Vieira da Silva, INCM, 1982, pp. 106, 107

Lynn Basa

Mother and Child

Jane Goodall

domingo, 10 de março de 2013

Dhafer Youssef - Jazz sous les Pommiers

Lotte Grønkjær


Natureza morta XI

Juan Sánchez Cotán (1560-1627)

Nina Simone, «Here Comes The Sun»

O Universo: a casca e a amêndoa

Quando o Rei Salomão "penetrou nas profundezas do pomar das nogueiras", como está escrito: "Desci a um pomar de nogueiras" (Cântico dos Cânticos VI, 11), apanhou uma casca de noz e, ao examiná-la, descobriu a analogia entre as suas camadas e os espíritos que suscitam os desejos sensuais dos humanos, como ficou escrito: "E os prazeres dos filhos dos homens (provêm) de demónios machos e fêmeas" (Eclesiastes II, 8).
O Santo, bendito seja Ele, viu que era necessário colocar todas estas coisas no mundo para assegurar a sua permanência; possuir, por assim dizer, um cérebro envolvido em numerosas cascas. Todo o mundo, o de cima e o de baixo, é constituído segundo este princípio, desde o misterioso centro original até às mais longínquas camadas. São todas elas invólucros, uma por uma, cérebro no cérebro, espírito no interior do espírito, casca na casca.
O centro original é a luz mais secreta, de uma diafaneidade, de uma delicadeza, de uma pureza acima de toda a compreensão. Ao expandir-se, este ponto mais íntimo passa a ser um "palácio" que é como que o invólucro do centro, também ele translúcido e resplandecente, para além de toda a possibilidade de conhecimento.
O "palácio", invólucro do ponto interior que não se pode conhecer, e que é em si mesmo uma irradiação que não se conhece, é, no entanto, de uma subtileza e de uma diafaneidade menores do que o ponto original.
O "palácio" espalha-se por todo o seu invólucro, a luz original. E, desse modo, fica camada sobre camada, formando cada uma o invólucro da precedente, como a membrana no cérebro. E cada membrana passa a ser como o cérebro para a camada seguinte.
Igual é o que se passa cá em baixo; do mesmo modelo, o homem neste mundo associa cérebro e membrana, espírito e corpo, para uma melhor ordem do mundo. Quando a Lua estava ligada ao Sol, era luminosa; mas quando se separou do Sol e recebeu a influência das suas próprias legiões, o seu espaço reduziu-se e bem assim a sua luz, e formou-se pele sobre pele para revestir o cérebro - tudo isto para seu bem.

O Zohar - O Livro do Esplendor, Editorial Estampa, 1994, pp. 30, 31


Kim Ki-duk, «Primavera, Verão, Outono, Inverno...e Primavera» (2003)

sábado, 9 de março de 2013

Antoni Tàpies (1923-2012)


A mais bela história do mundo

Aparecidos com as flores

- Em que data se fixa presentemente a origem do homem?
- Tal como para uma «origem» da vida, não se pode fixar uma «origem» do homem. De resto, nem uma verdadeira definição de humano. Verifica-se de preferência uma longa evolução, uma filiação zoológica no decurso da qual os diferentes caracteres se fixam nos seus lugares.
- Conhecem-se ao menos as grandes etapas?
- Sim. Temos de subir ao fim do cretaico, há 70 milhões de anos. Estamos no dealbar do terciário, os últimos dinossauros desaparecem. O meio ambiente passa por profundas modificações e sabe-se que a história da evolução está estreitamente ligada à do clima. Nessa época, a África é uma ilha, a América do Sul e a Ásia também. Num continente que reúne a Europa, a América do Norte e a Gronelândia aparecem pequenos animais: os primeiros macacos, descendentes dos insectívoros. Começam a proliferar no meio duma flora completamente nova: a das primeiras plantas de flor.
- Nascidos com as primeiras flores! Que poético...
- É também a época dos primeiros frutos. Os macacos, que conquistaram este novo meio, são com efeito os primeiros a consumi-los e rompem com os hábitos dos seus antepassados, que se alimentavam de insectos. Isto vai provocar, ao longo das gerações, uma série de transformações anatómicas: por exemplo, o seu corpo recebe a clavícula, uma bela invenção.
- Por que razão?
- A clavícula alarga a caixa torácica do animal, aumenta portanto a amplitude dos membros superiores e permite-lhe, quando da colheita de frutos, agarrar-se bem ao tronco das árvores para melhor trepar por eles. Pela mesma razão, as garras, prejudiciais para a escalada, tornam-se unhas planas. Na pata, um dos dedos vai tornar-se oponível aos outros, o que permitirá à extremidade em conjunto agarrar um fruto, uma pedra ou um pau.

Hubert Reeves, Joel de Rosnay, Yves Coppens, Dominique Simonnet, A Mais Bela História do Mundo - Os Segredos das Nossas Origens, Gradiva, 1996, pp. 99, 100

sexta-feira, 8 de março de 2013

Mondando, preparando a terra II

Diana Pacheco, Vasco Areias e Jacinta Marques, 11ºD
 Hoje as mulheres estiveram em maioria. Ao Vasco juntou-se a Diana e a Jacinta. O Diogo faltou por motivos de saúde. Aproveitamos para te desejar rápidas melhoras, Diogo. Na próxima semana queremos ver-te de enxada na mão, a posar para a fotografia!
Ânimo e boa disposição não nos faltaram. E trabalho também não (como podem ver pela foto, até a Jacinta ficou de luvas às avessas...)!
No fim, dividimos alho-francês por todos. Espero que tenham resultado  em sopas excelentes. A minha estava de "chorar por mais" (diz a cozinheira da confecção própria).
Diana, Vasco e Jacinta obrigados pela vossa generosa colaboração! Para a semana há mais...

Depois da monda

The Carter Family ,«The Birds Were Singing of You»

Graça Morais


Helder Moura Pereira

Ao lado do rouxinol plantaste um girassol
mas num acesso espetaste a tesoura no olho
do girassol. O rouxinol nem se mexeu, cheio
de medo. Mas tu nunca serias capaz
de cegar ninguém, pois não? Olho para ti, meu
rouxinol, e penso que vai ser de mim
quando tu morreres e eu ficar aqui sozinho.
O episódio da página inteira demonstra
o valor cerrado da linguagem, folhas
e mais folhas, tanto papel gasto, tanta
árvore abatida. E tu, também, abatida, com pena
do rouxinol. Fundamentos ecossistemáticos
assolam o planeta e nós, em vez de estarmos
colados à televisão, criamos pássaros,
sobretudo rouxinóis, chegamos a ter-lhes
amor e eles (expressão ligeiramente
envergonhada) parece que nos compreendem.

Helder Moura Pereira, Um Raio de Sol, Assírio & Alvim, 2000, p. 23

quinta-feira, 7 de março de 2013

Permacultura

Para a Palmira...

IGRINA
O grito da cigarra ergue a tarde a seu cimo e o perfume do orégão invade a felicidade. A omnipotência do sol rege a minha vida enquanto me recomeço em cada coisa. Por isso trouxe comigo o lírio da pequena praia. Ali se erguia intacta a coluna do primeiro dia - e vi o mar reflectido no seu primeiro espelho. Igrina.
É esse o tempo a que regresso no perfume do orégão, no grito da cigarra, na omnipotência do sol. Os meus passos escutam o chão enquanto a alegria do encontro me desaltera e sacia. O meu reino é meu como um vestido que me serve. E sobre a areia sobre a cal e sobre a pedra escrevo: nesta manhã eu recomeço o mundo.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética III, Caminho, 1996, p. 11

Jasmim

Jasminum L.

domingo, 3 de março de 2013

Camilo Pessanha (1867-1926)



[Fragmento]

Um fio a desdobar, que não termina,
De grinaldas de rosas de toucar.


Camilo Pessanha, Clepsydra, Assírio & Alvim, 2003, p. 117

Tree Deaths

John Coltrane «I Talk To The Trees»

Pier Paolo Pasolini (1922-1975)

3. Na casa rural

Uma lua rósea vai surgindo ao fundo das filas de choupos; não parece sequer a lua, mas um pedaço ensanguentado e informe de qualquer grande e suave corpo desfeito.
O seu brilho lança sobre o pátio da casa rural, onde aliás reluz uma pequena lâmpada cor de pérola, uma luz de insustentável doçura.
A casa estende-se à sua volta, avermelhada e degradada; a rusticidade desvaneceu-se, na penumbra, e as formas daqueles dois silos, daqueles estábulos, daqueles muros de tijolo vermelho, são quase solenes.
No meio desta espécie de cenografia destruída, em silêncio, está Emília sentada no seu banco: na mesma posição que tomara quando se havia sentado.
A sua mala já não está no meio do pátio. Um pouco de luz filtra-se, de resto, pela porta de vidros da granja, e as cortinas brancas imaculadas na barrela estão levantadas. Por trás dos vidros, vislumbram-se os rostos das pessoas da casa que olham: para Emília, naturalmente.. Um velho, uma velha com um lenço preto, uma jovem esposa, um homem ainda jovem, mas gordo e demasiado vermelho, e quase encostados ao vidro, em baixo, os rostos, também eles redondos e ruborizados, dos dois rapazinhos, diligentes e inexpressivos. São sombras cinzentas ou apenas rosadas sob a alvura das cortinas. A lua não as tinge, enquanto faz, por outro lado, resplandecer o pátio, com o seu cimento destruído, os seus montes de areia, os seus tijolos vermelhos, como um pequeno lago ou como as valiosas ruínas de uma velha igreja.

Pier Paolo Pasolini, Teorema, Quasi Edições, 2005, p. 92

sábado, 2 de março de 2013

Permaculture Garden at UMass

Mondando, sachando, preparando a terra



Vasco Areias e Diogo Meneses, 11ºD

Prof. Susana Fonseca, Diogo e Vasco

Diogo

Natureza morta IX

Vilhelm Hammershoi

Calendário agrícola do mês de Março

O Almanaque do Camponez, para o ano de 2013, diz-nos que em Março a «aurora principia às 05h. e 40m.O Sol nasce às 08h e 29m. De 1 a 31 os dias crescem 1h e 48 minutos».
Segundo o mesmo almanaque, as fases da lua:
- Quarto Minguante a «4 de Março, às 21h. e 53m.» com «Tempo variável (incerto)»;
- Lua Nova a «11 de Março, às 19h. e 51m.» trará «Tempo com chuva»;
- Quarto Crescente a «19 de Março às 17h. e 27m.» com «Tempo carregado com nuvens»;
- Lua cheia a «27 de Março, às 09h. e 27m.» e «Tempo incerto (variável)».
Neste mês, semeia-se feijão, milho, abóbora, pepinos, salsa, malagueta, açaflor, tomates. Preferencialmente durante o quarto minguante, sacham-se as hortas e mondam-se os campos.