quarta-feira, 29 de maio de 2013

Emily Dickinson (1830-1886)

Tão pouco a Erva precisa de fazer -
Esfera de humilde Verde -
Com Borboletas só para pensar
E Abelhas entreter -

Mover-se todo o dia a belas Melodias
Que as Brisas vão buscar -
E no seu colo segurar o Sol
Fazer vénias a tudo -

Tecer de noite Orvalhos, como Pérolas -
E fazer-se tão fina
Que uma Duquesa, a coisa mais vulgar
Nem notícia seria -

E mesmo quando morre - esmaecer
Em odores tão divinos -
Especiarias Suaves, de dormir -
De Nardos, perecendo -

Depois, em Celeiros Reais viver -
E sonhar com os Dias a passar -
Tão pouco a Erva precisa de fazer -
Que eu queria ser um Feno -

Emily Dickinson, Cem Poemas, Relógio D'Água, 2010, p. 151


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Às quartas

a feira continua animada:



(Fotos da Prof. Helena Meireles em 22/05/2013)

Bem hajam!

domingo, 26 de maio de 2013

Lourdes Castro

Pelas Sombras

Ossip Mandelstam (1891-1938)

O corpo me é dado - e com que fim,
Meu corpo único, tão de mim?

Pela alegria chã de respirar,
Silenciosa, a quem devo louvar?

Sou jardineiro e sou flor - cativo
Na prisão do mundo sozinho não vivo.
E já nos vidros da eternidade
Cai meu calor, meu sopro respirado.

Nela se grava um desenho para sempre,
Irreconhecível de tão recente.

Escorra do momento a água turva -
O desenho amado não esbate à chuva.

Ossip Mandelstam, Guarda Minha Fala Para Sempre, Assírio & Alvim, 1996, p. 107

terça-feira, 21 de maio de 2013

Marguerite Yourcenar (1903-1987)

A TRISTEZA DE CORNÉLIUS BERG

Trabalhou durante toda a Primavera nessa cidadezinha clara e asseada, onde o puseram a pintar lambris fingidos na parede da igreja. À tardinha, acabada a tarefa, não se recusava a entrar em casa daquele velhote lentamente embrutecido pela rotina de uma existência sem percalços, que vivia só, entregue aos tratos mimados de uma criada, e que nada entendia das coisas da arte. Empurrava a frágil cancela de madeira pintada; no jardinzito à beira do canal, o amador de túlipas esperava-o no meio das flores. Cornélius não tinha a menor paixão por aqueles bolbos inestimáveis, mas era hábil em distinguir todos os pormenores das formas, todos os cambiantes e matizes, e sabia que o velho Síndico só o convidava para saber a sua opinião acerca de alguma variedade nova. Ninguém poderia designar por palavras a infinita diversidade dos brancos, das rosas e dos lilases. Esguios, rígidos, os cálices patrícios brotavam do solo gordo e negro: só um odor molhado, que subia da terra, pairava sobre aquelas florações sem perfume. O velho Síndico pousava um vaso sobre os joelhos e, tomando o caule entre os dedos, como pela cintura, dava a contemplar, mudo e quedo, aquela delicada maravilha. Trocavam poucas palavras: Cornélius Berg dava o seu parecer meneando a cabeça.
Nesse dia, o Síndico sentia-se feliz com uma proeza mais rara do que as outras: a flor, branca e violácea, quase tinha estrias de um lírio. Considerou-a voltando-se em todos os sentidos e, pousando-a aos seus pés:
- Deus - disse ele - é um grande pintor.
Cornélius Berg não respondeu. E o plácido velhote continuou:
- Deus é o pintor do universo.
Cornélius Berg fitava alternadamente a flor e o canal. Aquele espelho baço e plúmbeo apenas reflectia canteiros, muros de tijolos e algum estendal, mas o velho vagabundo cansado contemplava vagamente nele toda a sua vida. Revia certos traços fisionómicos que avistara nas suas longas viagens, o Oriente sórdido, o Sul desbragado, expressões de avareza, de estupidez ou de ferocidade registadas sob tão brandos céus, os tugúrios miseráveis, as doenças venéreas, as brigas à facada à porta das tabernas, o rosto seco dos penhoristas e o belo corpo abundante do seu modelo, Frederica Gerritsdochter, deitado na mesa de anatomia da escola de medicina de Friburgo. Depois, ocorreu-lhe outra lembrança. Em Constantinopla, onde pintara alguns retratos de Sultões para o embaixador das Províncias Unidas, tivera o ensejo de admirar um outro jardim de túlipas, orgulho e alegria de um paxá que confiava no pintor para imortalizar, na sua breve perfeição, o seu harém floral. Encerradas num pátio de mármore, dir-se-ia que as túlipas congregadas palpitavam e sussurravam no brilho ou na macieza das cores. Na bacia de um repuxo cantava um pássaro; os bicos dos ciprestes rompiam o céu palidamente azul. Mas o escravo que por ordem do seu senhor mostrava ao forasteiro aquelas maravilhas era zarolho, e sobre a vista que perdera há pouco amontoavam-se as moscas. Cornélius Berg suspirou longamente. Então, tirando os óculos:
- Deus é o pintor do universo.
E, com amargura, em voz baixa:
- Pena é, senhor Síndico, que Deus não se tenha limitado a pintar paisagens.

Marguerite Yourcenar, Contos Orientais, Dom Quixote, 1986, pp. 137-139

domingo, 19 de maio de 2013

Uma história de imperfeição

Uma história contada por Okazura Kakuzo no livro The Book of Tea, exemplificativa de uma estética que valoriza as imperfeições do mundo natural, subjacente à transformação introduzida por Sen No Rikyu (1520-91) na cerimónia do chá:
" Rikyu observava o seu filho, enquanto este limpava o pequeno jardim que antecedia a casa de chá. Quando ele deu a tarefa por terminada, disse-lhe que não esteva suficientemente limpo e que seria preciso tentar novamente. Depois de uma hora a esforçar-se, o rapaz dirigiu-se ao pai:
«Pai, não há mais nada para ser feito. Os degraus foram esfregados três vezes, as lanternas de pedra e as árvores foram salpicadas com água, as ervas e os musgos estão brilhantes. Nem uma folha eu deixei no chão.»
Ao que respondeu o pai:
«Criança tonta. Não é essa a maneira como deve ser limpo um caminho no jardim!»
E, avançando, abanou uma das árvores, espalhando ao longo do caminho algumas folhas douradas e vermelhas..."

Adaptado de lolipop-banzai.blogspot.pt

Sou Fujimoto


Terunobu Fujimori,

No interior da Takasugi-an



arquitecto japonês, construiu uma Takasugi-an, que significa literalmente "uma casa de chá construída demasiado alto", em cima de duas árvores. O acesso ao interior faz-se trepando por umas escadinhas. Quando se pergunta a Fujimori se esta casa de chá não é pequena, ele responde que tem a dimensão perfeita para celebrar um chá em consonância com a natureza.



O Culto do chá

O cha-no-yu, se pode definir-se, é a arte de preparar a infusão do chá em pó, com esses escrúpulos de limpeza, com esses requintes de elegância de que só é capaz o japonês, sendo a bebida oferecida a alguns amigos de eleição, reunidos num recinto para a paz do pensamento e para o agrado dos sentidos.
Nos tempos áureos do cha-no-yu, o pavilhão que recebia os hóspedes era construído num jardim e obedecia a uma arquitectura inconfundível. No seu arranjo interno, para a cor das paredes, para a disposição de luz, para o número das esteiras, para a jarra com flores ou com um ramo de árvore, havia praxes a seguir; o kakemono (quadro suspenso na parede) devia representar uma paisagem que fosse impressionar a pupila com carinho; ou antes uma simples sentença escrita por pincel de mestre caligráfico (...).
O plano do jardim submetia-se a regras determinadas, pelas quais o engenho indígena se revelava em graças prodigiosas, aqui pelos contornos do lago e pelas pontezinhas que o cruzavam, além pela escolha dos arbustos e das pedras (...)
Um outro acessório se encontrava, cerca do pavilhão: o pedaço de rocha bruta com uma pequena cavidade cheia de água,onde os hóspedes iam lavar as mãos antes de comerem, como purificação litúrgica. Até a linguagem empregada entre os convivas obedecia a regras de pragmática: os assuntos de religião ou de política eram banidos; a frase devia modelar-se num agradável discorrer, sem ferir melindres de ninguém. A cortesia impunha-se: preceituava-se que o hóspede proferisse palavras de louvor pelo que via - alfaias de serviço, arranjo de aposento, horizontes em volta -, mas sem insistência em demasia, que poderia parecer pouco sincera ou pelo menos importuna. (...) Os artigos destinados particularmente ao chá, muitas vezes contidos num estojo especial, são os seguintes: a boceta com perfumes, que antes de tudo se lançam sobre as brasas e embalsamam o ambiente; a jarra com água fria e a competente colher feita de um pedaço de bambu; o chá em pó num cofrezinho de charão e a colherinha adjunta; duas taças, de barro ou de porcelana, uma usada no Verão de cor clara, e a outra escura, usada no Inverno; um curioso utensílio feito de finas lascas de bambu reunidas em feixe, com que se agita na chávena a mistura do chá em pó com a água morna; (...)
É o dono da casa que deve prepar o chá solenemente, prescindindo do mais ligeiro auxílio dos criados; é ele que o oferece aos convidados. A mão executa setenta e cinco movimentos, num cha-no-yu havido por singelo ... e trezentos, quando requeridas todas as formalidades ortodoxas.

Wenceslau de Moraes, O Culto do Chá



sábado, 18 de maio de 2013

Ontem

Transplantámos os nabos:


Semeámos flores:


Encontrámos estas cores:



O indefectível Diogo!

Bem hajas!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Hoje


a Horta foi à sala de professores e promete regressar todas as quartas-feiras, das 10h.30 às 12h.
.

Cartaz elaborado pelos alunos do PF

Os legumes e a caixa de pagamento
 Os compradores, corrijo, as compradoras:






 E os Curiosos:



A todos bem hajam! Para a semana há mais!

GERMAINE GREER, ESCRITORA - O BELO E A CONSOLAÇÃO

terça-feira, 14 de maio de 2013

Entrevista a Pedro Prieto

Mário Cesariny (1923-2006)

Três encontros marcados com a História (Poema lido nos Paços do Concelho, Câmara Municipal de Lisboa, por altura do encerramento dos encontros «Poesia em Lisboa '98», sábado, 10 de Outubro, aceitando o desafio posto sobre a mesa.)

[CRISE INAUGURAL]

Imagina que eu nunca te toquei
e o campo até ao horizonte possível
explode em violeta e azul, dedos florescem
para as delícias do tacto num vibrátil
orvalho. Imagina
que eu parti e o ar impregnado de mim
queima; ou o horizonte se tornou num duvidoso pousio,
retráctil, sem gosto nem cheiro, apesar de os lagos
a si atraírem o voo predador de fulminantes aves, e o receio
seca a boca. Imagina esse género de pânico:
flores envolvidas ao contrário, tu: solitária, imagina
o Mundo cego. Imagina que me resguardarei
dentro das minhas próprias veias
no esquecimento de tal ausência a brotar
em tons rubros, borbotões sobre ti. O campo,
o campo, o campo, o campo...

(...)

Paulo da Costa Domingos, Judicearias - o álbum das Glórias, frenesi, 2000 



segunda-feira, 13 de maio de 2013

Às terças

a turma do PF continua a dar no duro. Bem hajam!

Foto da Prof. Helena Meireles em 07/05/13

Foto da Prof. Helena Meireles em 07/05/13

Foto da Prof. Helena Meireles em 07/05/13

terça-feira, 7 de maio de 2013

Anna Akhmátova (1889-1966)

TERRA MATERNA

Não a trazemos ao peito como amuleto,
não soluçamos para ela em verso sentido,
ela não perturba o nosso sonho amargo,
ela não nos parece o éden prometido.
Na nossa alma ela não se molda
em objecto de compra e de venda,
nunca nos lembramos dela na hora
miserável e muda e doente.
Sim, ela é para nós lama nas botas,
sim, terra nos dentes esmigalhada.
E mais amassamos, mais remoemos
este pó que não tem culpa de nada.
Mas nela nos deitamos, nela nos tornamos,
por isso, com direito, nossa lhe chamamos.

Anna Akhmátova, Só o Sangue Cheira a Sangue, Assírio & Alvim, 2000, p. 67

Couves que se transformam em flores








domingo, 5 de maio de 2013

Thomas Eakins (1844-1916)

( c. 1881)

Beatrix Potter

Flopsi, Mopsi e Rabinho-de-Algodão, que eram uns coelhinhos muito bem comportados, foram colher amoras na azinhaga.
Mas o Pedrito, que era muito maroto, correu direito à horta do Senhor Gregório e esgueirou-se por baixo da cancela!
Primeiro, comeu alfaces e alguns feijões, e a seguir comeu rabanetes.
Depois, sentiu-se um bocado agoniado e foi à procura de salsa.
Mas ao dar a volta à estufa dos pepinos, quem havia ele de encontrar? Nem mais nem menos que o Senhor Gregório!
O senhor Gregório estava de gatas a plantar couves, mas deu um salto e deitou a correr atrás de Pedrito, brandindo um ancinho e gritando a bom gritar:
- Pára, ladrão!
Pedrito ficou assustadíssimo; andou às voltas na horta, porque não se lembrava do caminho que ia ter à cancela. Perdeu um dos sapatos no meio das couves e o outro no meio do batatal.
Depois de os ter perdido, correu a quatro patas e muito mais depressa e podia ter-se ido logo embora, se por pouca sorte não tivesse caído na rede das groselheiras e ficasse preso pelos grandes botões do casaco. Era um casaco azul com botões de metal, novinho em folha.
Pedrito sentiu-se perdido, e desatou a chorar com lágrimas enormes, mas os seus soluços foram ouvidos por uns pardais simpáticos que voaram para o pé dele muito aflitos, pedindo-lhe que fugisse.

Beatrix Potter, A História do Pedrito Coelho, Verbo, 1990, pp. 17-33

Beatrix Potter (1866-1943)