segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

José Tolentino Mendonça

Silêncio:
encontrámos na encosta
flores ainda sem nome

Silêncio:
nem um grão de poeira
na brancura do crisântemo

Depois de uma tarde a tratar do jardim
a nossa vida
importa menos

Quando se extinguiu
o vermelho da papoila
o jardim ficou vazio

Todo o inverno
o solitário bambu
mediu forças com o vento

de A Papoila e o Monge

sábado, 22 de fevereiro de 2014

21 de Fevereiro: Jamie Oliver entre nós!

As queridas cozinheiras provando/aprovando a bebida verde!
Compradores & Curiosos!
A bancada do 11ºJ 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Carl Larsson (1853-1919)


Agustina Bessa-Luís

Quem se impressiona muito com uma paisagem está a esconder os seus desejos íntimos. É o caso dos frades que se recolhem a lugares esplêndidos onde os sentidos ganham a lentidão com que a natureza envolve as suas criaturas. Ide a La Verna, num dia frio, de peregrinação. Talvez possam compreender a alma franciscana; e os olhos dos cães pastores que representam a paz do Santo com os animais deixarão perceber algo da sua misteriosa candura. A paisagem grandiosa, o arrastar dos pés dos devotos que vão comer à cantina do convento, os flocos de neve nas árvores despidas, causam uma espécie de desastrosa resignação. Onde estás, mundo, com os teus enganos? E a vivacidade das coisas sensuais? Tudo a montanha absorve, e um bando de pequenas aves, iguais às que saudavam a chegada de Francisco de Assis, saltam nos ramos, presas de vertiginosa fascinação. Elas pressentiam a força desse homem ilustre pela paixão que ele converteu em inofensivos sinais. Em amor da natureza, que é o mesmo que desesperação pura.

Agustina Bessa-Luís, As Terras do Risco, Guimarães Editores, 1994, p. 7

Oscar Wilde (1854-1900)

Assimetrias naturais

O que a Arte verdadeiramente nos revela é a falta de traços definidos na Natureza, as suas curiosas imperfeições, a sua extraordinária monotonia e a sua condição absolutamente incompleta. A Natureza, é claro, está cheia de boas intenções, mas, como disse Aristóteles, não as consegue concretizar. Quando me perco numa paisagem nunca consigo deixar de reparar em todos os seus defeitos. [do livro A Decadência da Mentira]

A natureza é tão desconfortável! A relva é invariavelmente dura, cheia de grumos, húmida, e repleta de abomináveis insectos pretos. [ do livro A Decadência da Mentira].

A natureza está sempre fora de época! [do livro A Decadência da Mentira]

Levam uma vida puramente campestre. Erguem-se cedo, por terem tanto que fazer, e deitam-se cedo por terem falta do que pensar. [do livro O Retrato de Dorian Gray]

Pedro Gorman (org), Um guia para a vida moderna, Fenda, 2000, pp. 40-41 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Mircea Dinescu

Entrevista

Aqui no campo está tudo bem e bonito
os princípios envelheceram um pouco
mas o álcool medicinal passado pelo pão rejuvenesce
e o médico recomenda-o para "uso interno".
Aqui  o adro da igreja foi devolvido à agricultura
o porco mastigou a criança esquecida no berço
(de qualquer modo um e outro eram do Estado)
em geral está tudo bem aqui no campo
os pequenos vêem televisão de caneca nas mãos talvez dê leite
na rádio acabámos há muito a colheita
e em breve a acabaremos nos campos
em geral está tudo bem aqui no campo temos betão é bonito
se comprares o ovo na city
se a fábrica de chouriço deixar de piscar
o olho aos cavalos.

Aqui no campo está tudo bem
os bombeiros em geral põem fogo às casa é bonito
o tractor abre entre uns e outros
entre uns e outros um sulco profundo
está tudo bem e bonito.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Rui Nunes (cont.)

"[...] Há em mim um lado fortemente rural, mas não é uma ruralidade folclórica. [...] Não perdi, felizmente para mim, essa qualidade que os bichos têm, sei sempre onde estou, sei sempre para que lado é o Norte e isso vem-me da infância." (p. 56)

«(o fosso)

Sobre a piscina, a figueira recorta um zumbido. Escondida atrás do loureiro, junto ao poço, a criança chama a distância: há um nome que se prolonga sem resposta: assim começa o exílio: passo a passo, parto a parto, alguém desenha o mapa:
A mão anónima tem a precisão imensa de uma fuga.
:
sob a fogueira, os reflexos transformam a água num golpe.
Abelhas e libelinhas mortas deslocam a sombra no fundo de azulejos.
Ouve-se respirar. Ou a imobilidade a partir-se?» (p. 60)

excertos retirados da entrevista a Rui Nunes: "Uma Plenitude Terrível" de Maria da Conceição Caleiro in Cão Celeste, nº 4