quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Herberto Helder

Os campos estão cobertos de erva e, no meio, vibram na aragem aguda algumas hastes de cevada. Principia a ordenação abstracta das cores - violentas, delicadas - no cheiro estreme da maresia e da areia que já aquece. O céu levanta-se como um animal. A terra pensa em cima do labirinto de água salgada. E a primavera sobe, fortalece-se, ganha precisão. A cevada amadurece depressa na exaltante transparência do espaço, agitada leve leve pela aragem.
Na atmosfera nítida, cuja a intrínseca violência se dissimula, nascem repentinas fontes de júbilo. Desenvolve-se furiosamente no coração um extremo pensamento de perenidade, tão novo e exclusivo que a carne verga ao seu peso. Aspira ambiguamente ao aniquilamento obscuro, rápido, total. Uma colina branca resplandece tão veemente que parece ter levantado voo.

Herberto Helder, Photomaton & Vox, Assírio & Alvim, 1987, p. 15-16

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