domingo, 28 de abril de 2013

José Tolentino Mendonça

"Não sei um dia mas alguma coisa me doía/
ou talvez não doesse mas havia fosse o que 
fosse/ era isso sentia a grande falta de uma 
árvore"  Ruy Belo

(...) Uma vez em Paris, assisti a uma cena que me deixou sem palavras. Eu tinha ido ao Salão do Livro e, mais ou menos por essa data, o poeta Mário Cesariny convencera os seus editores, Hermínio Monteiro e Manuel Rosa, a fazerem de carro uma viagem até lá, mas para que ele pudesse consultar umas versões que lhe interessavam da epopeia de Gilgamesh. Já não sei bem reconstituir como, mas a verdade é que me vi a gazetear por Paris com eles. E, a dada altura, junto da torre de Saint-Jacques, Cesariny sai do carro e corre a abraçar uma árvore. Eu poderia escrever " corre a abraçar-se a uma árvore", mas creio que não faria justiça ao que me foi dado ver. Era mesmo um abraçar. O mundo fez um silêncio que eu desconhecia.
Existem, no hebraico bíblico, duas formas alternativas para designar uma árvore: ets e ilan. A primeira forma é a mais persistente na narrativa bíblica, mas a segunda também se pode encontrar, e é aquela que, por exemplo, os cabalistas trabalharam mais intensamente. A Cabala rabínica aplica-se a explorar as dimensões simbólicas e espirituais escondidas nas palavras e nos números (partindo da ideia de que todas as palavras são, no fundo, uma composição numérica e que as palavras que se equivalem em número também se correspondem no significado). O valor numérico do termo  ilan (árvore) é 91. Outra palavra da categoria 91 é malakh (anjo). Ao dizer árvore é, então, como se nos avizinhássemos daquilo que dizemos quando dizemos anjo. (...)

"A Fé das Árvores" in Expresso 13/ABR/13

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