segunda-feira, 1 de abril de 2013

"Portugal: tempo de regressar à terra"

por Viriato Soromenho Marques

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O CASO PORTUGUÊS

(...) A gravidade da crise alimentar - que tem raízes profundas na desordem política global, e, sobretudo, na crescente incerteza ambiental - não se irá prolongar indefinidamente apenas nos países mais pobres. Portugal sofre não só por estar encurralado numa estratégia errada de resposta à crise europeia, como padece de um défice alimentar que a irresponsabilidade de sucessivos governos medíocres não deixou de fazer crescer. (...) Todos os anos, a nossa balança de pagamentos soma mais de três mil milhões de euros de produtos alimentares importados. Chegou a hora de inverter o rumo. Um pouco por todo o lado, crescem as iniciativas para promover hortas e terrenos de cultura nas cidades e zonas periurbanas. Também na agricultura, o primado deve ser dado à capacidade de iniciativa dos cidadãos.

POR UMA ESTRATÉGIA SUSTENTÁVEL

A causa mais estrutural e longínqua da atual crise está vinculada ao processo de degradação da capacidade produtiva dos solos, e ao consequente risco de rutura dos equilíbrios ecológicos e de desertificação de vastíssimas regiões no globo.
O problema reside, como afirmava Aldo Leopold na década de 1930, na insensibilidade do mercado ao valor ecológico das espécies da flora que não podem ser imediatamente comercializadas, mas que são fundamentais para a manutenção da saúde de um dado sistema ecológico. Esta incompreensão tem levado a abruptas políticas de especialização, tanto agrícola como florestal, que se traduzem numa diminuição da biodiversidade, na degradação da qualidade dos solos, na depleção  de recursos hídricos, entre outros efeitos colaterais indesejáveis.
Em síntese, a sustentabilidade agrícola requer as seguintes orientações estratégicas, por parte das comunidades, países e organizações internacionais:
a) Promoção dos mercados de produção e consumo locais, aumentando a soberania alimentar dos países e a autonomia das regiões e centros urbanos;
b) Proteção e promoção da biodiversidade, nomeadamente através da difusão das técnicas produtivas, amigas do ambiente, genericamente designadas por "agricultura biológica";
c) Internacionalização dos custos ambientais, para permitir que o preço dos alimentos traduza os impactes ambientais efectivos da sua produção, levando o mercado a premiar as condutas ambientais mais adequadas;
d) Revisão das políticas fiscais e de subsídios, no sentido de estimular a iniciativa privada no domínio das práticas agrícolas ambientalmente mais correctas;
e) Promoção da mudança, ou conservação, dos hábitos culturais e estilos de vida ambientalmente positivos, tanto na alimentação como nas técnicas produtivas;
f) Perceção da ameaça global para a paz que o agravamento da crise alimentar poderá significar;
g) Capacidade de desenhar com Espanha, e outros países fora da EU, estratégias de abastecimento do país, em caso de rutura da Zona Euro.

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JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 20 de março de 2013

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