quarta-feira, 25 de junho de 2014

Bem hajam

a todos os que comentaram, pública ou particularmente, criticaram, seguiram, as minhas 'postas' de um pouco mais de terra, fizeram sugestões! Até mais.
ana inácio

Ben Shahn (1898-1969)


Alberto Lacerda ( 1928-2007)

Árvores

O vento inebriado

O piar de certos pássaros

O jardim

O olhar que vai dar continuamente
Ao horizonte

As paredes vetustas

Rosas iluminando
O desmaiar lentíssimo
Da tarde

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Converging Energy Crises – And How our Current Situation Differs from the Past

http://eumeswill.wordpress.com/2014/06/02/converging-energy-crises-and-how-our-current-situation-differs-from-the-past/

Margarida Ferra

Nome comum: Jasmim-dos-Poetas

Percorria ao anoitecer os jardins
da cidade à procura das flores
oficiais - sobem amparadas
e perfumam com a memória
do chá as ruas irregulares.
Levava uma tesoura de unhas,
insuficiente e desnecessária porque
não colhia nada que fosse vivo.
Restavam-lhe frases livres,
páginas dobradas, cadeiras desiguais
e os pratos vazios deixados
aos gatos.

O primeiro poema encontrei-o
numa dessas buscas
debaixo da árvore maior,
no ferro que sustenta a copa,
preso com uma mola de roupa.

Margarida Ferra, Curso Intensivo de Jardinagem, & etc, 2010

Motherland - Natalie Merchant

domingo, 22 de junho de 2014

Masahisa Fukase (1934-2012)


Manuel de Castro (1934-1971)

O poeta não tirava retratos
A ERC JOSAMU JOVE

Nós, os intocáveis, os imundos, recusamos
nossa vida à condição comum.
Porque é intemporal a rosa que nos leva
entre o dia e a noite.
Nós, os derrotados, impuros, oferecemos
nossa miséria a um significado
oculto e diferente -

asa branca na varanda
nome escrito nos telhados
estrada atravessando a terra de ninguém

Nós os últimos dos últimos coroamos
impérios e jardins. (Paralelo W, s/ p.)

in " Manuel de Castro ou a Passagem Invisível" de Manuel de Freitas, Cão celeste, nº 5, Maio de 2014

terça-feira, 17 de junho de 2014

Shikanosuke Yagaki (1897-1966)

Wheatfields, 1930s

Alberto Pimenta

COM CINCO LETRAS APENAS

entre doces
avelaneiras
sob os açafroados
cálices do fruto
um pequeno acanto
disposto
do fundo da alma
a tantos sacrifícios
como os do salmão
da sabedoria
que engoliu nove avelãs
mágicas
como dizem os entendidos
e se tornou o aliado
dos adivinhos
a sua vibração
tão aguda e eléctrica
que traz consigo
a mais criativa das inspirações
essa é a planta da sabedoria
e Leucípe
leva-a consigo
quando procurou o pai e a irmã
e os encontrou
segundo as instruções
do oráculo
ou seja
vestida de sacerdote
e assim
foi vestida e amada
e daí nasceu a trama
o prodígio
para que mais uma vez
o mundo continuasse
igual a si mesmo
apenas
um pouco mais gasto e tonto
não canto

Alberto Pimenta, Prodigioso Acanto, & etc, 2008 

domingo, 15 de junho de 2014

Kosugi Takehisa, Organic Music (1963)

Raul Brandão (1867-1930)

O CORVO

(...) Começara a ouvir-se a voz trágica do vento, que geme, adquire aqui dentro sonoridade que põe medo e grita, chama lá nos altos como se fosse a voz da cratera pregando aos céus. Esta paisagem morta, esta cor de glicínia das pedras esparsas, o nevoeiro que azula e corre em vagas fantásticas sobre os musgões brancos, descendo ao lago sem uma ruga, para ascender até aos bordos da cratera e ficar suspenso em velário, dão-me uma cena irreal de que me custa a separar. Não compreendo bem, não sinto bem a vida desta coisa monstruosa e oculta no oceano, só para as aves e os pastores. Há em mim uma apreensão vaga, medo de interromper o grande silêncio e de chegar a ouvir esta grande mudez. Encosto-me à pedra diante do mistério, até que nos pomos outra vez a caminho descendo a pique pela outra parte da ilha. Aparecem algumas árvores muito baixas: o majestoso cedro é um arbusto a que chamam zimbreiro. O vento não o deixa crescer: torce-se, geme, tem cem anos e seis palmos de altura. Sucedem-se as moutas de queiró e o musgão que absorve e conserva a humidade como esponjas. É a parte selvagem da ilha, Feijã da Era e quebrada da Lomba, onde se encontram cabras bravas que parecem corças, de pêlo curto cor de mel, com uma risca preta pelo lombo abaixo, órbitas salientes, e depois pequenos chifres direitos e agudos, com que se defendem dos cães. Regresso pelos baixos, pelos campos de cultura, cortando os vales do Fojo e do Poço de Água.
Observo que é grande a convivência entre estes homens e os animais. Comunicação tão fácil com os bichos só devia ser assim no princípio do mundo. O animal doméstico é mais inteligente e deixa-se guiar, donde depreendo que as histórias do tempo em que os bichos falavam são uma coisa muito séria. Em primeiro lugar não há na ilha um animal nocivo: nem mesmo o milhafre, que deu o nome ao arquipélago, se atreve a passar o largo canal do pico às Flores e Corvo. Depois, não encontrei um caçador: só aqui existe uma espingarda sem fechos. As pequeninas vacas originárias da ilha - que vão acabar e é pena - são duma inteligência e duma meiguice extraordinária: - falam-lhes e elas respondem; os porcos soltam-se de manhã, saem o portão, vão para o monte ganhar a vida e à tarde cada um recolhe a sua casa. Os pássaros são familiares. Ninguém lhes faz mal. A toutinegra cinzenta de poupa escura canta num ramo ao fim da tarde mesmo ao pé de mim. O desconfiado estorninho anda aos bandos catando a rosca do trigo, sem medo nenhum. Aqui arribam os aguarelhos, todos brancos. No canal, ao pé das tartarugas, boiam cagarros aos milhares, cevando-se no banco do chicharro, e recolhendo às pedras, para toda a noite se entreterem numa conversa de velhas esganiçadas, sobre o tempo, o mar, os peixes, que a gente chega a entender perfeitamente bem, e que ainda hei-de reproduzir um dia se viver. Na grande cratera põem ovos os garajaus, que aparecem em abril e emigram em setembro. Dir-se-ia que uma índole extraordinária de mansidão abrange os homens e os bichos, sujeitos às mesmas leis severas da vida natural. As próprias cabras selvagens, ao fim de alguns dias de comunicação, se tornam familiares.
Seguimos e reaparecem os muros, os eternos currais com a sua servidão estreita que chamam canada, o portão, buraco para o gado entrar, que os pastores tapam com pedras, e o chiqueiro onde à noite recolhem os novilhos - e pelo caminho fora acompanha-me sempre dum lado o mar, do outro este labirinto inextricável de estilhaços sobrepostos. As raparigas acodem com as cabeças oferecendo-nos leite espumoso e morno e gritam às vacas: - Ougá trigueira! - para elas porem os pés a par e as ordenharem melhor.

28 de Junho

Nunca encontrei homens do campo cujo o espírito se pusesse logo em comunicação com o meu: há sempre uma parede de manha ou de inércia a romper. Estes não, estes olham-me nos olhos e falam com desassombro. Nenhuma hipocrisia (...)

Raul Brandão, As ilhas desconhecidas, Editorial Comunicação, 1987, pp. 54-55

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Egon Schiele (1890-1918)

The green hand, 1910

António Feliciano de Castilho (1800-1875)

Resumamo-nos e terminemos;

Portugal está pobre, não tem para pagar as dívidas; não tem para se manter; e de ano para ano se deteriora a sua sorte. O presente é um martírio, o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente, horroriza a imaginação.

Portugal está desatado; há insociabilidade, há ódios mútuos e acerbos, e que, herdados e transmitidos pela educação, se tornarão ainda mais implacáveis.

Portugal (consequências legítimas das duas verdades precedentes) tem a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instinto lhe está aconselhando Agricultura, como riqueza, como vínculo, como civilização.

António Feliciano de Castilho, Felicidade pela Agricultura, 1848


terça-feira, 27 de maio de 2014

Rosa Maria Martelo

LÍRIOS

Um dia deixarei para sempre o casaco no cabide da entrada
outras mãos que não as minhas haverá para o recolher
outros olhos pelos meus lhe hão-de fitar depois a ausência.
Depois, nem isso.
Há um momento em que se estende a toalha sobre a mesa dos mortos
como se tivesse sido sempre a mesa dos vivos. Esse dia virá.
Tudo então estará certo e limpo como o esquecimento.
Ou quase assim.

Dispo agora toda esta roupa e escrevo
- sem frio nem perda nem desastre -
a partir desse dia que virá, esse dia depois de mim:

lírios crescem no acaso da relva
uma leve poeira se acrescenta no ar que não respiro.

Rosa Maria Martelo, Matéria, Averno, 2014




terça-feira, 20 de maio de 2014

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

O JARDIM

O jardim está brilhante e florido.
Sobre as ervas, entre as folhagens,
O vento passa, sonhador e distraído,
Peregrino de mil romagens.

É Maio ácido e multicolor,
Devorado pelo próprio ardor,
Que nesta clara tarde de cristal
Avança pelos caminhos
Até os fantásticos desalinhos
Do meu bem e do meu mal.

E no seu bailado levada
Pelo jardim deliro e divago,
Ora espreitando debruçada
Os jardins do fundo do lago,
Ora perdendo o meu olhar
Na indizível verdura
Das folhas novas e tenras
Onde eu queria saciar
A minha longa sede de frescura.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar, Caminho, 2009, p. 13



terça-feira, 15 de abril de 2014

Eugenio Montale (1896-1981)

OS LIMÕES

Escuta, os poetas laureados
movem-se apenas entre plantas
com nomes pouco comuns: buxos, ligustros ou acantos.
Por mim, prefiro os caminhos que vão dar às fossas
cobertas de ervas onde em lameiros
meio secos os miúdos apanham
alguma enguia definhada:
as veredas que bordejam as ravinas,
descem por entre os tufos dos canaviais
e entram pelas hortas, por entre os limoeiros.

É melhor ainda quando a algazarra dos pássaros
se cala engolida pelo azul do céu:
mais claro se ouve o sussurro
dos ramos amigos no ar que quase não se move,
e as impressões deste cheiro
que não consegue separar-se da terra
e faz chover no peito uma doçura inquieta.
Aqui das divertidas paixões
por milagre cala-se a guerra,
aqui também nós os pobres temos a nossa parte de riqueza
que é o cheiro dos limões.

Olha, nestes silêncios em que as coisas
se abandonam e parecem perto
de trair o seu último segredo,
esperamos por vezes
descobrir um erro da Natureza,
o ponto morto do mundo, o elo que não liga,
o fio do novelo que finalmente nos leva
ao centro de uma verdade.
 O olhar procura derredor,
a mente indaga harmoniza separa
no perfume que se espalha
quando o dia mais enfraquece.
São os silêncios nos quais se vê
em cada sombra humana que se afasta
alguma perturbada Divindade.

Mas a ilusão perde-se e o tempo transporta-nos
até ruidosas cidades onde o azul se mostra
apenas em pedaços, no alto, entre os telhados.
Então a chuva cansa a terra; concentra-se
o tédio do inverno sobre as casas,
a luz torna-se avara - a alma amara.
Quando um dia, de um portão entreaberto
por entre as árvores de um pátio
se nos depara o amarelo dos limões;
e o gelo do coração se desfaz,
e ao peito afluem
as suas canções
as tormbetas de ouro da solidariedade.

Eugenio Montale, Poesia, Assírio & Alvim, 2004, pp. 45-46




sexta-feira, 11 de abril de 2014

Mira Schendel (1919-1988)


Agustina Bessa-Luís

OS JARDINS

Os jardins foram e serão a alma das cidades. E também de quem mora nelas. São lugares que prendem o coração às virtudes domésticas, porque nos jardins a criança brinca, os jovens namoram e os velhos descansam. São tudo períodos em que as recordações se reúnem e se povoam doutras recordações. Jardins históricos, jardins de passagem, outros com tristezas como asas suspensas na luz do meio-dia. Quem não teve um jardim, público ou privado, na sua infância, será um doente das suas próprias memórias. Há-de tossir com o frio desgarrado que não foi filtrado por nenhum plátano ou tília. Terá a cor do ar sombrio, e os olhos da solidão. O jardim é o princípio e o fim, o Éden e o Gethsémani. Os jardins às vezes morrem; mas deixam na terra alguma coisa de santo que as gerações aproveitam dizendo: «Aqui, não sei porquê, sinto-me bem aqui.»

Agustina Bessa-Luís, Caderno de Significados, Guimarães, 2013, pp. 78-79

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Vincent van Gogh (1853-1890)


João Paulo Esteves da Silva

ALENTOS

(Sephi alter)
        
       I
a amendoeira
acho que é dia
vou entre línguas
que ninguém sabe
amarga e branca
em pleno inverno
o sol já vinha 
florescia
fora da amêndoa
dentro das línguas
ninguém sabia
que despertava
com a flor primeira
acho que é dia
       
         II
mexe mexe damasqueiro
ainda sem  folhas ali
com as origens à mostra
todo o por dentro de fora
que até se vê através
das flores que não vieram
toca no que ainda dorme
mexe no mês de Janeiro
fica desarmado um ninho
onde o tronco se bifurca
desabitado  uma roda
de restos em turbilhão
mexe dentro da origem
toca na polpa do alperce
invisível mas que vem
relâmpago no caminho.

            III
se te lembras da China
ou se já tudo esqueceste, diz, 
amoreira tão alta, cansada de
tudo. cantas  agora em silêncio,
escuta-se   
a tua altura sem neve.
lembras-te ao menos do verão 
da fadiga, folha após folha
dizendo amoras amoras
dizendo tudo da seda da fruta.
cantar, diziam amoras
nos sinais do Outono
a cair a cantar

              IV

querem as uvas sair daqueles meandros 
daquelas matérias mortiças;
vide dormindo sem presença
passa despercebida 
tempo concentrado, vida escura
querem que  pague a fé na sepultura
que hás-de florir
dar sombra verde uma turba de mãos
estender-te velocíssima 
agarrar trepar aumentar invadir o espaço
fazer brotar cabelos de bagaço
sei por ouvir dizer
por histórias contadas repetidas
coisas do teu futuro
cachos sumos bebedeiras
bondades crimes carreiras.
acreditas que sonhei
estar sentado à tua sombra
num socalco de Lisboa
e depois vinha uma abelha
de Évora com um ferrão
(daqueles que suicidam qualquer abelha em qualquer lugar)
para me comer à mão?

       V
nespereira
não pereira
que já seca
que já arde
na fogueira
pêra seca 
sobre a mesa
desespera
a noite inteira
dizes freira
sempre verde
gargalhada
não esperada
cócegas dentro da nêspera
tragédias de Inês Pereira
nome doce
no caroço
abrasivo
na dentada
riso vivo
amarelo
como a casca
como a chama
alaranjada
quatro nozes
vinte vozes
contra a alma
mil algozes
no regresso do Japão
casa queimada não gozes

João Paulo Estesves da Silva

sábado, 29 de março de 2014

José Tolentino Mendonça

"Primaverar
 (...) Tem toda a razão a sentença de Lao Tsé: «Quando ingressam na vida/os homens são tenros e fracos;/ quando morrem , /são secos e duros./ Por isso, os duros e fortes/ são companheiros da morte, / e os tenros e frágeis/ são companheiros da vida." O nosso juízo de arrumação e remate (e as idealizações que projetamos a esse respeito) é enganador, mais não seja porque a vida é viva, florescente, é uma sucessão infinda de começos. Desde que nascemos estamos não só prontos para morrer, mas estamos sobretudo preparados para nascer, as vezes que forem precisas. Primaverar é persistir numa atitude de hospitalidade em relação à vida. Ao lado do previsto, irrompe o imprevísivel que precisamos aprender a acolher. Misturado com aquilo que escolhemos, chega-nos o que não escolhemos e que temos, na mesma, de viver (...)"

in "que coisa são as nuvens", Expresso, 22 de Março de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

Herberto Helder

as musas cegas (II)

Apagaram-se as luzes. É a primavera cercada
pelas vozes.
E enquanto dorme o leite,
a minha casa
pousa no silêncio e arde pouco a pouco.

No círculo de pétalas veementes cai a cabeça -
e as palavras nascem.
- Límpidas, amargas.

Eis um tempo que começa: este é o tempo.
E se alguém morre num lugar de searas imperfeitas,
é o pensamento que verga de flores actuais e frias.
A confusão espalha sobre a carne o recôndito peso de ouro.
E estrelas algures aniquilam-se para um campo sublevado
de seivas, para a noite que estremece
fundamente.

Melancolia com sua forma severa e arguta,
com maçãs dobradas à sombra do rubor.
Aqui está a primavera entre luas excepcionais e pedras soando
com a primeira música de água.
Apagaram-se as luzes. E eu sorrio, leve e destruído,
com esta coroa recente de ideias, esta mão
que na treva procura o vinho dos mortos, a mesa
onde o coração se consome devagar.

Algumas noites amei enquanto rodavam ribeiras
antigas, degrau a degrau subi o corpo daquela que se enchera
de minúsculas folhas eternas como uma árvore.
Degrau a degrau devorei a alegria -
eu, de garganta aberta como quem vai morrer entre águas
desvairadas, entre jarros transbordando
húmidos astros.

Algumas vezes amei lentamente porque havia de morrer
com os olhos queimados pelo poder da lua.
Por isso é de noite, é primavera de noite, e ao longe
procuro no meu silêncio uma outra forma
dos séculos. Esta é a alegria coberta de pólen, é
a casa ligeira colocada num espaço
de profundo fogo. E apagaram-se as luzes.

- Onde aguardas por mim, espécie de ar transparente
para levantar as mãos? onde te pões sobre a minha palavra,
espécie de boca recolhida no começo?
E é tão certo o dia que se elabora.
Então eu beijo, degrau a degrau, a escadaria daquele corpo.
E não chames mais por mim,
pensamento agachado nas ogivas da noite.

É primavera. Arde além rodeado de sal,
por inúmeras laranjas.
Hoje descubro as grandes razões da loucura,
os dias que nunca se cortarão como hastes sazonadas.
Há lugares onde esperar a primavera
como tendo na alma o corpo todo nu.
Apagaram-se as luzes: é o tempo sôfrego
que principia - É preciso cantar como se alguém
soubesse como cantar.

poesia toda, assírio & alvim, 1996

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

José Tolentino Mendonça

Silêncio:
encontrámos na encosta
flores ainda sem nome

Silêncio:
nem um grão de poeira
na brancura do crisântemo

Depois de uma tarde a tratar do jardim
a nossa vida
importa menos

Quando se extinguiu
o vermelho da papoila
o jardim ficou vazio

Todo o inverno
o solitário bambu
mediu forças com o vento

de A Papoila e o Monge

sábado, 22 de fevereiro de 2014

21 de Fevereiro: Jamie Oliver entre nós!

As queridas cozinheiras provando/aprovando a bebida verde!
Compradores & Curiosos!
A bancada do 11ºJ 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Carl Larsson (1853-1919)


Agustina Bessa-Luís

Quem se impressiona muito com uma paisagem está a esconder os seus desejos íntimos. É o caso dos frades que se recolhem a lugares esplêndidos onde os sentidos ganham a lentidão com que a natureza envolve as suas criaturas. Ide a La Verna, num dia frio, de peregrinação. Talvez possam compreender a alma franciscana; e os olhos dos cães pastores que representam a paz do Santo com os animais deixarão perceber algo da sua misteriosa candura. A paisagem grandiosa, o arrastar dos pés dos devotos que vão comer à cantina do convento, os flocos de neve nas árvores despidas, causam uma espécie de desastrosa resignação. Onde estás, mundo, com os teus enganos? E a vivacidade das coisas sensuais? Tudo a montanha absorve, e um bando de pequenas aves, iguais às que saudavam a chegada de Francisco de Assis, saltam nos ramos, presas de vertiginosa fascinação. Elas pressentiam a força desse homem ilustre pela paixão que ele converteu em inofensivos sinais. Em amor da natureza, que é o mesmo que desesperação pura.

Agustina Bessa-Luís, As Terras do Risco, Guimarães Editores, 1994, p. 7

Oscar Wilde (1854-1900)

Assimetrias naturais

O que a Arte verdadeiramente nos revela é a falta de traços definidos na Natureza, as suas curiosas imperfeições, a sua extraordinária monotonia e a sua condição absolutamente incompleta. A Natureza, é claro, está cheia de boas intenções, mas, como disse Aristóteles, não as consegue concretizar. Quando me perco numa paisagem nunca consigo deixar de reparar em todos os seus defeitos. [do livro A Decadência da Mentira]

A natureza é tão desconfortável! A relva é invariavelmente dura, cheia de grumos, húmida, e repleta de abomináveis insectos pretos. [ do livro A Decadência da Mentira].

A natureza está sempre fora de época! [do livro A Decadência da Mentira]

Levam uma vida puramente campestre. Erguem-se cedo, por terem tanto que fazer, e deitam-se cedo por terem falta do que pensar. [do livro O Retrato de Dorian Gray]

Pedro Gorman (org), Um guia para a vida moderna, Fenda, 2000, pp. 40-41 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Mircea Dinescu

Entrevista

Aqui no campo está tudo bem e bonito
os princípios envelheceram um pouco
mas o álcool medicinal passado pelo pão rejuvenesce
e o médico recomenda-o para "uso interno".
Aqui  o adro da igreja foi devolvido à agricultura
o porco mastigou a criança esquecida no berço
(de qualquer modo um e outro eram do Estado)
em geral está tudo bem aqui no campo
os pequenos vêem televisão de caneca nas mãos talvez dê leite
na rádio acabámos há muito a colheita
e em breve a acabaremos nos campos
em geral está tudo bem aqui no campo temos betão é bonito
se comprares o ovo na city
se a fábrica de chouriço deixar de piscar
o olho aos cavalos.

Aqui no campo está tudo bem
os bombeiros em geral põem fogo às casa é bonito
o tractor abre entre uns e outros
entre uns e outros um sulco profundo
está tudo bem e bonito.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Rui Nunes (cont.)

"[...] Há em mim um lado fortemente rural, mas não é uma ruralidade folclórica. [...] Não perdi, felizmente para mim, essa qualidade que os bichos têm, sei sempre onde estou, sei sempre para que lado é o Norte e isso vem-me da infância." (p. 56)

«(o fosso)

Sobre a piscina, a figueira recorta um zumbido. Escondida atrás do loureiro, junto ao poço, a criança chama a distância: há um nome que se prolonga sem resposta: assim começa o exílio: passo a passo, parto a parto, alguém desenha o mapa:
A mão anónima tem a precisão imensa de uma fuga.
:
sob a fogueira, os reflexos transformam a água num golpe.
Abelhas e libelinhas mortas deslocam a sombra no fundo de azulejos.
Ouve-se respirar. Ou a imobilidade a partir-se?» (p. 60)

excertos retirados da entrevista a Rui Nunes: "Uma Plenitude Terrível" de Maria da Conceição Caleiro in Cão Celeste, nº 4 




quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Alfred Stieglitz (1864-1946)


Rui Nunes

Imensa, esta gente reconduz
a catástrofe ao ruído de folha sobre folha,
mas a vingança dos mortos é uma facada mergulhada na terra, o gume
iluminado pela raiz. (p. 10)

[...]só a ordem sincopada tece, para trás e para a frente, a exactidão da queda. Resta-nos uma cinza aérea, uma névoa suja, o som das nozes a caírem nas folhas podres. (pp.8-9)

excertos retirados do artigo de Manuel de Freitas "Lugares de Cinza" in Cão Celeste nº4, Novembro 2013

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Descubra as diferenças


terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Feira de produtos da horta

A turma do 11º J associou-se à horta da ESVN e, uma vez por mês, monta bancada à entrada da sala de trabalho dos professores e vende os produtos disponíveis (50% do total das vendas realizadas pela turma é doado ao projecto bengaleiro. A outra metade é reinvestida na horta).

A próxima Feira é dia 17 de Janeiro.






Notar o verde!