quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Agustina Bessa-Luís

Quem se impressiona muito com uma paisagem está a esconder os seus desejos íntimos. É o caso dos frades que se recolhem a lugares esplêndidos onde os sentidos ganham a lentidão com que a natureza envolve as suas criaturas. Ide a La Verna, num dia frio, de peregrinação. Talvez possam compreender a alma franciscana; e os olhos dos cães pastores que representam a paz do Santo com os animais deixarão perceber algo da sua misteriosa candura. A paisagem grandiosa, o arrastar dos pés dos devotos que vão comer à cantina do convento, os flocos de neve nas árvores despidas, causam uma espécie de desastrosa resignação. Onde estás, mundo, com os teus enganos? E a vivacidade das coisas sensuais? Tudo a montanha absorve, e um bando de pequenas aves, iguais às que saudavam a chegada de Francisco de Assis, saltam nos ramos, presas de vertiginosa fascinação. Elas pressentiam a força desse homem ilustre pela paixão que ele converteu em inofensivos sinais. Em amor da natureza, que é o mesmo que desesperação pura.

Agustina Bessa-Luís, As Terras do Risco, Guimarães Editores, 1994, p. 7

Sem comentários:

Enviar um comentário