quarta-feira, 25 de junho de 2014

Bem hajam

a todos os que comentaram, pública ou particularmente, criticaram, seguiram, as minhas 'postas' de um pouco mais de terra, fizeram sugestões! Até mais.
ana inácio

Ben Shahn (1898-1969)


Alberto Lacerda ( 1928-2007)

Árvores

O vento inebriado

O piar de certos pássaros

O jardim

O olhar que vai dar continuamente
Ao horizonte

As paredes vetustas

Rosas iluminando
O desmaiar lentíssimo
Da tarde

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Converging Energy Crises – And How our Current Situation Differs from the Past

http://eumeswill.wordpress.com/2014/06/02/converging-energy-crises-and-how-our-current-situation-differs-from-the-past/

Margarida Ferra

Nome comum: Jasmim-dos-Poetas

Percorria ao anoitecer os jardins
da cidade à procura das flores
oficiais - sobem amparadas
e perfumam com a memória
do chá as ruas irregulares.
Levava uma tesoura de unhas,
insuficiente e desnecessária porque
não colhia nada que fosse vivo.
Restavam-lhe frases livres,
páginas dobradas, cadeiras desiguais
e os pratos vazios deixados
aos gatos.

O primeiro poema encontrei-o
numa dessas buscas
debaixo da árvore maior,
no ferro que sustenta a copa,
preso com uma mola de roupa.

Margarida Ferra, Curso Intensivo de Jardinagem, & etc, 2010

Motherland - Natalie Merchant

domingo, 22 de junho de 2014

Masahisa Fukase (1934-2012)


Manuel de Castro (1934-1971)

O poeta não tirava retratos
A ERC JOSAMU JOVE

Nós, os intocáveis, os imundos, recusamos
nossa vida à condição comum.
Porque é intemporal a rosa que nos leva
entre o dia e a noite.
Nós, os derrotados, impuros, oferecemos
nossa miséria a um significado
oculto e diferente -

asa branca na varanda
nome escrito nos telhados
estrada atravessando a terra de ninguém

Nós os últimos dos últimos coroamos
impérios e jardins. (Paralelo W, s/ p.)

in " Manuel de Castro ou a Passagem Invisível" de Manuel de Freitas, Cão celeste, nº 5, Maio de 2014

terça-feira, 17 de junho de 2014

Shikanosuke Yagaki (1897-1966)

Wheatfields, 1930s

Alberto Pimenta

COM CINCO LETRAS APENAS

entre doces
avelaneiras
sob os açafroados
cálices do fruto
um pequeno acanto
disposto
do fundo da alma
a tantos sacrifícios
como os do salmão
da sabedoria
que engoliu nove avelãs
mágicas
como dizem os entendidos
e se tornou o aliado
dos adivinhos
a sua vibração
tão aguda e eléctrica
que traz consigo
a mais criativa das inspirações
essa é a planta da sabedoria
e Leucípe
leva-a consigo
quando procurou o pai e a irmã
e os encontrou
segundo as instruções
do oráculo
ou seja
vestida de sacerdote
e assim
foi vestida e amada
e daí nasceu a trama
o prodígio
para que mais uma vez
o mundo continuasse
igual a si mesmo
apenas
um pouco mais gasto e tonto
não canto

Alberto Pimenta, Prodigioso Acanto, & etc, 2008 

domingo, 15 de junho de 2014

Kosugi Takehisa, Organic Music (1963)

Raul Brandão (1867-1930)

O CORVO

(...) Começara a ouvir-se a voz trágica do vento, que geme, adquire aqui dentro sonoridade que põe medo e grita, chama lá nos altos como se fosse a voz da cratera pregando aos céus. Esta paisagem morta, esta cor de glicínia das pedras esparsas, o nevoeiro que azula e corre em vagas fantásticas sobre os musgões brancos, descendo ao lago sem uma ruga, para ascender até aos bordos da cratera e ficar suspenso em velário, dão-me uma cena irreal de que me custa a separar. Não compreendo bem, não sinto bem a vida desta coisa monstruosa e oculta no oceano, só para as aves e os pastores. Há em mim uma apreensão vaga, medo de interromper o grande silêncio e de chegar a ouvir esta grande mudez. Encosto-me à pedra diante do mistério, até que nos pomos outra vez a caminho descendo a pique pela outra parte da ilha. Aparecem algumas árvores muito baixas: o majestoso cedro é um arbusto a que chamam zimbreiro. O vento não o deixa crescer: torce-se, geme, tem cem anos e seis palmos de altura. Sucedem-se as moutas de queiró e o musgão que absorve e conserva a humidade como esponjas. É a parte selvagem da ilha, Feijã da Era e quebrada da Lomba, onde se encontram cabras bravas que parecem corças, de pêlo curto cor de mel, com uma risca preta pelo lombo abaixo, órbitas salientes, e depois pequenos chifres direitos e agudos, com que se defendem dos cães. Regresso pelos baixos, pelos campos de cultura, cortando os vales do Fojo e do Poço de Água.
Observo que é grande a convivência entre estes homens e os animais. Comunicação tão fácil com os bichos só devia ser assim no princípio do mundo. O animal doméstico é mais inteligente e deixa-se guiar, donde depreendo que as histórias do tempo em que os bichos falavam são uma coisa muito séria. Em primeiro lugar não há na ilha um animal nocivo: nem mesmo o milhafre, que deu o nome ao arquipélago, se atreve a passar o largo canal do pico às Flores e Corvo. Depois, não encontrei um caçador: só aqui existe uma espingarda sem fechos. As pequeninas vacas originárias da ilha - que vão acabar e é pena - são duma inteligência e duma meiguice extraordinária: - falam-lhes e elas respondem; os porcos soltam-se de manhã, saem o portão, vão para o monte ganhar a vida e à tarde cada um recolhe a sua casa. Os pássaros são familiares. Ninguém lhes faz mal. A toutinegra cinzenta de poupa escura canta num ramo ao fim da tarde mesmo ao pé de mim. O desconfiado estorninho anda aos bandos catando a rosca do trigo, sem medo nenhum. Aqui arribam os aguarelhos, todos brancos. No canal, ao pé das tartarugas, boiam cagarros aos milhares, cevando-se no banco do chicharro, e recolhendo às pedras, para toda a noite se entreterem numa conversa de velhas esganiçadas, sobre o tempo, o mar, os peixes, que a gente chega a entender perfeitamente bem, e que ainda hei-de reproduzir um dia se viver. Na grande cratera põem ovos os garajaus, que aparecem em abril e emigram em setembro. Dir-se-ia que uma índole extraordinária de mansidão abrange os homens e os bichos, sujeitos às mesmas leis severas da vida natural. As próprias cabras selvagens, ao fim de alguns dias de comunicação, se tornam familiares.
Seguimos e reaparecem os muros, os eternos currais com a sua servidão estreita que chamam canada, o portão, buraco para o gado entrar, que os pastores tapam com pedras, e o chiqueiro onde à noite recolhem os novilhos - e pelo caminho fora acompanha-me sempre dum lado o mar, do outro este labirinto inextricável de estilhaços sobrepostos. As raparigas acodem com as cabeças oferecendo-nos leite espumoso e morno e gritam às vacas: - Ougá trigueira! - para elas porem os pés a par e as ordenharem melhor.

28 de Junho

Nunca encontrei homens do campo cujo o espírito se pusesse logo em comunicação com o meu: há sempre uma parede de manha ou de inércia a romper. Estes não, estes olham-me nos olhos e falam com desassombro. Nenhuma hipocrisia (...)

Raul Brandão, As ilhas desconhecidas, Editorial Comunicação, 1987, pp. 54-55

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Egon Schiele (1890-1918)

The green hand, 1910

António Feliciano de Castilho (1800-1875)

Resumamo-nos e terminemos;

Portugal está pobre, não tem para pagar as dívidas; não tem para se manter; e de ano para ano se deteriora a sua sorte. O presente é um martírio, o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente, horroriza a imaginação.

Portugal está desatado; há insociabilidade, há ódios mútuos e acerbos, e que, herdados e transmitidos pela educação, se tornarão ainda mais implacáveis.

Portugal (consequências legítimas das duas verdades precedentes) tem a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instinto lhe está aconselhando Agricultura, como riqueza, como vínculo, como civilização.

António Feliciano de Castilho, Felicidade pela Agricultura, 1848