quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Truman Capote (1924-1984)

Quando é que pela primeira vez ouvi falar da harpa das ervas? Muito antes do Outono em que nos instalámos na árvore da China. Portanto, num Outono anterior. E foi com certeza Dolly quem mo disse, mais ninguém seria capaz de dar esta designação: uma harpa de ervas.
Saindo da cidade pelo caminho da igreja, depressa se alcança o outeiro de lousas brancas e de flores bronzeadas: é o cemitério baptista. Está ali enterrada a nossa gente: os Talbos, os Fenwicks. Minha mãe jaz perto do meu pai, e as sepulturas dos parentes, vinte ou mais, espalham-se em volta como raízes estendidas de uma árvore petrificada. Abaixo da colina existe um campo de certa planta índia que muda de cor com as estações; ide vê-la nos fins de Setembro, quando se apresenta rubra como o pôr do Sol, e as sombras escarlates, semelhantes a labaredas, oscilam sobre ela, e os ventos outonais sopram nas folhas secas entoando música de suspiros humanos: uma harpa de vozes.
No extremo do campo principia o negrume de River Woods. Devia ter sido num desses dias de Setembro, quando lá nos encontrávamos a colher raízes, que Dolly observou: "Ouves? É a harpa das ervas, sempre a contar histórias: conhece a de cada pessoa da colina, de todos quantos aqui viveram e, depois de morrermos, contará também a nossa."

Truman Capote, A Harpa de Ervas, Sextante Editora, 2011

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