quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Daphne du Maurier (1907-1989)

Estávamos numa encosta do morro, e, à nossa frente, até ao vale, ladeando um riacho, desenrolava-se uma passagem estreita. Nada de árvores sombrias, nem silvas emaranhadas; apenas uma fileira de azáleas à beira da passagem, e também rododendros, não cor de sangue como os gigantes lá de cima, mas brancos, cor de salmão, dourados, criações de beleza e graça.
O ar estava impregnado daquele perfume doce e intoxicante; pareceu-me que aquela essência se misturava com as águas sussurrantes do riacho, se integrava na chuva que caía e no musgo húmido que pisávamos. Não se ouvia som algum, a não ser o murmúrio do regato e o sussurro da chuva lenta. (...)
Nem o céu, agora sombrio e carrancudo, nem a chuva insistente, perturbavam a suave quietude do vale; a chuva e o riacho pareciam confundir-se; e, harmonizados com ambos, vinham no ar húmido as notas líquidas do canto do melro. Eu afastava, ao passar as frondes de azáleas, tão juntas umas das outras elas cresciam, bordejando o atalho; das pétalas, caíam pequenas gotas de água nas minhas mãos. Muitas pétalas estavam caídas no chão, escuras, molhadas, mas conservando ainda a fragrância; e senti também outros perfumes mais antigos e ricos: o cheiro profundo do musgo e da terra, dos fetos, das raízes das árvores entrançadas no solo.

Daphne du Maurier, Rebeca, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, s/ data, pp. 103-104

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