sexta-feira, 8 de março de 2013

Helder Moura Pereira

Ao lado do rouxinol plantaste um girassol
mas num acesso espetaste a tesoura no olho
do girassol. O rouxinol nem se mexeu, cheio
de medo. Mas tu nunca serias capaz
de cegar ninguém, pois não? Olho para ti, meu
rouxinol, e penso que vai ser de mim
quando tu morreres e eu ficar aqui sozinho.
O episódio da página inteira demonstra
o valor cerrado da linguagem, folhas
e mais folhas, tanto papel gasto, tanta
árvore abatida. E tu, também, abatida, com pena
do rouxinol. Fundamentos ecossistemáticos
assolam o planeta e nós, em vez de estarmos
colados à televisão, criamos pássaros,
sobretudo rouxinóis, chegamos a ter-lhes
amor e eles (expressão ligeiramente
envergonhada) parece que nos compreendem.

Helder Moura Pereira, Um Raio de Sol, Assírio & Alvim, 2000, p. 23

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