domingo, 24 de fevereiro de 2013

Liu Zong-yuán (775-819)

HISTÓRIA DO PLANTADOR DE ÁRVORES GUÓ CAMELO

Era o Guó Camelo. Não se sabia qual o seu nome original. Como teve raquitismo, passou a caminhar de tal modo curvado que parecia um camelo. Era essa a razão por que todos os seus conterrâneos o chamavam Camelo. Ao ser assim chamado, porém, ele comentava: «É isso mesmo, assenta-me bem.» E nunca mais mencionara o seu nome original, passando a chamar-se a si próprio Guó Camelo.
A sua aldeia era Feng Lè-xiang, a oeste de Cháng'an. A sua actividade era plantar árvores e, em Cháng'an, todas as famílias nobres e ricas desejavam ter árvores por ele plantadas e os vendedores de fruta disputavam entre si para o contratar.
Ainda que sofressem transplantações as árvores do Camelo não morriam. Pelo contrário, cresciam cada vez mais e tornavam-se cada vez mais frondosas, dando fruta mais cedo e em maior quantidade. E, muito embora os outros plantadores o espreitassem com inveja e o imitassem, eram incapazes de o igualar.
Um dia, alguém lhe perguntou as causas desta situação e ele respondeu: «Não é o Camelo quem pode dar vida às árvores nem quem as pode multiplicar. Tudo quanto pode fazer é agir de acordo com a natureza das árvores e satisfazê-las segundo as suas necessidades.
«E quanto a plantar árvores, alguns conselhos: o melhor é deixar as raízes expandirem-se à vontade, Também é melhor tornar a terra bem plana, sem a substituir por outra e calcá-la até ficar compacta. Assim fazendo, uma vez plantadas, é desnecessário voltar a tocar-lhes e a preocuparmo-nos com o seu crescimento. Ao transplantar, há que tratar das raízes como se fossem nossos filhos e, depois, abandoná-las para sempre. Só deste modo a sua natureza será cumprida e o seu carácter levado a bom termo.
«Como se vê, tudo quanto faço é não as contrariar e deixá-las crescer à vontade. (...)
O inquiridor perguntou: «Será possível transpor os teus métodos para a governação?»
O Camelo respondeu: «Apenas sei plantar árvores. A governação não me compete. Todavia, vivo na aldeia e vejo que os governantes gostam de dar muitas e minuciosas ordens. Parece que se preocupam muito com o povo mas acabam por provocar desastres. De manhã à noite, vêem-se os seus funcionários a gritar: «Os oficiais ordenam que se despachem com o cultivo da terra. Aconselham-vos a plantar e a apressar as colheitas. Cozam já os casulos da seda, enrolem os novelos, teçam e fiem o mais depressa possível. E cuidem bem dos vossos bebés e alimentem as galinhas e os leitões como deve ser!» E tocam os tambores para reunir e fazem soar as taramelas para convocar os aldeões.
«Nós, os humildes, mesmo que interrompêssemos o jantar e o pequeno-almoço para os atender, nem assim arranjaríamos tempo para atender às suas inúmeras solicitações. Deste modo, como pode a nossa vida e a dos nossos descendentes ter paz e prosperar? Pelo contrário, andamos doentes e enfraquecidos. (...)
O inquiridor comentou, satisfeito: « Ora que bom! Perguntei como fazer crescer árvores e consegui saber como fazer crescer os homens!»

O Rosto do Vento Leste, Assírio & Alvim, 1993, pp. 57-61


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